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Sul-coreanos criam oásis de alimentos orgânicos na Bahia

Devido à escassez de terras na Coreia do Sul, empresa de orgânicos Doalnara expandiu
suas operações para o Brasil.
Maior projeto da companhia no exterior, comunidade no Nordeste mantém costumes
do país asiático vivos.

Entrada da fazenda sul-coreana Oásis, a 950 quilômetros de Salvador

Na traseira de um carrinho de golfe novo em folha estacionado num posto de
gasolina de Formosa do Rio Preto, na Bahia, uma folha de papel traz escrito
“Propriedade dos Coreanos”. No município sossegado no oeste do estado, a cerca
de 950 quilômetros de Salvador, a cena inusitada causa entusiasmo entre os
habitantes da região.

“Estão dizendo que a fazenda deles parece até uma cidade nova”, diz Abner Costa,
abaixando a voz e apontando para o carrinho.

Gisélio Serpa, um dos líderes dos agricultores locais, acrescenta:
“A gente sabe que eles trouxeram muito material de construção.”
Questionado se são bons vizinhos, ele responde: “Eles são tranquilos.”

Perto do posto de gasolina, uma estrada esburacada de terra vermelha
leva da rodovia à vasta savana de Cerrado que cerca os sítios dos pequenos agricultores.
Depois de percorrer 40 quilômetros, depara-se com um asfalto liso à esquerda.

Palmeiras margeiam o caminho que leva a um portão com os dizeres “seja
bem-vindo ao novo paraíso”, logo antes de uma ponte de concreto recém construída.
Em seguida, um carrinho de golfe cruza o caminho que leva ao prédio administrativo
da fazenda de produção de orgânicos, a Oásis.

Segurando um guarda-sol de estilo coreano para se proteger do forte sol brasileiro,
Ivone Shin, de 67 anos, espera na frente da casa. Ela é a administradora da
fazenda Oásis, propriedade da empresa sul-coreana Doalnara.

Por intermédio da sua subsidiária brasileira Bom Amigo, a marca de produtos
orgânicos comprou uma parcela de vegetação nativa de dez mil hectares em 2009.
Seis anos depois, recebeu uma licença ambiental para produzir numa área de mil hectares.

A maioria das 500 pessoas que vivem na fazenda chegou ao local nos últimos
dois anos para se estabelecer nas casas recém-construídas. Todos têm raízes
sul-coreanas: alguns vieram diretamente da Coreia do Sul, enquanto outros
vieram da Rússia, dos Estados Unidos ou do Japão.

Devido à expectativa de expandir a área cultivada, espera-se que mais sul-coreanos
cheguem ao Brasil. Outros 111 sul-coreanos vivem hoje em outras quatro fazendas
no país: duas no estado de São Paulo e duas na Bahia.

“Viemos realizar nosso sonho, criar nosso novo paraíso”, diz Shin, em um português
difícil de sair. Embora ela tenha emigrado para o Brasil com a família nos anos 1970,
o coreano é a língua oficial da comunidade.

O isolamento do ambiente é o motivo pelo qual a empresa se mudou para cá:
um pedaço de terra onde produtos geneticamente modificados ou agrotóxicos nunca foram usados.

“Aqui no Brasil, queremos começar do início, numa terra que não foi tocada antes”,
diz Lucas Miura. Ele chegou há sete anos vindo do Japão e aprendeu português
ouvindo gravações de áudio.

Segurança alimentar

A Coreia do Sul importa ou processa localmente 70% dos alimentos que são
consumidos no país. Além da rápida industrialização, o país do Leste Asiático
tem pouca terra disponível para a agricultura. Por isso, o governo tem
incentivado o desenvolvimento da agricultura no exterior.

Em 2015, foi aprovada uma lei visando garantir a estabilidade da produção
agrícola fora do país. Segundo o Ministério da Agricultura da Coreia do Sul,
as empresas sul-coreanas acumularam 76 mil hectares de terra e produziram
426 mil toneladas de grãos no exterior em 2016.

O governo financia parte das operações da Doalnara no Brasil e em outros países,
incluindo as Filipinas, onde a empresa possui 225 hectares; os Estados Unidos,
com 64 hectares; e o Quênia, com 15 hectares. A empresa tem 3.500 funcionários
em todo o mundo.

Com dez mil hectares, a Oásis é, de longe, o maior projeto da Doalnara, rendendo
até 260 toneladas de alimentos na última colheita. A operação da empresa no
Brasil também é bem maior do que a na própria Coreia do Sul, onde a companhia
administra dez fazendas, com uma área total de 256 hectares.
A Doalnara tem especial preocupação com o impacto de produtos transgênicos,
que compõem a maior parte das importações de alimentos da Coreia do Sul.
“É possível produzir mais alimentos quando se usa sementes geneticamente
modificadas. Mas, à medida que evoluem, as plantas ficam piores e contraem
doenças. Queremos impedir isso”, explica Miura.

A comunidade

Enquanto a Doalnara é uma empresa internacional de grande porte, o estilo de
vida na fazenda brasileira se distancia da lógica capitalista. Eles produzem quase
tudo, de sabão e xampu a comida. A produção local inclui soja, milho, arroz, feijão,
gergelim, abacate, maracujá e banana. E os sul-coreanos criaram sua própria
versão de pão de mandioca.

Na comunidade, a comida é distribuída entre os moradores da vila. Não se usa
dinheiro ali, já que os produtos são trocados ou divididos gratuitamente.

Os membros da comunidade são cuidadosamente selecionados para fazer parte
da empreitada. Ter conhecimentos em agricultura é uma vantagem, mas não
é essencial. O mais importante é que os membros sejam católicos e que sigam
os princípios do mestre Suk Sun, que transmite os valores da Doalnara, como
honrar mãe e pai, respeitar os mais velhos, dividir os bens com a comunidade
e trabalhar em conjunto. O mestre se mudou para a Oásis com seus seguidores,
mas evita falar com jornalistas.

Na fazenda, mantêm-se os costumes sul-coreanos. Os moradores têm sua
própria escola, onde as crianças estudam em coreano.
O currículo foi desenvolvido pela própria comunidade.
Cristina Wu, de 25 anos, cresceu em Los Angeles e se mudou para o Brasil em 2010,
buscando um novo rumo. “Tem sido uma aventura observar o avanço desse processo,
ver um sonho pequeno se transformando num grande projeto como este”, afirma.