Alemanha, pátria ciumenta
Migração, integração, nacionalidade – não se fala de outra coisa na política alemã. Nesse campo, a Alemanha poderia aprender algo crucial com o Brasil: o verdadeiro amor à pátria é livre e não depende de uma cidadania.
Caros brasileiros,
Ai, que vontade de ser brasileira! Que legal olhar para um país que deixa os seus cidadãos livres para terem dupla nacionalidade! O passaporte brasileiro, por si só, já abre muitas portas. Combinado com outro, seja português, italiano, americano, japonês ou alemão, o mundo está aos seus pés!
Para evitar mal-entendidos: não é que não gosto de ser alemã, adoro a minha pátria. Mas como mãe de duas brasileiras, casada há 28 anos com um brasileiro, e muitos anos vividos no Brasil, por que não se naturalizar brasileira e assumir esse amor por uma nova, segunda pátria?
Vale ressaltar que não é o Brasil que me impede de realizar este desejo, mas a própria Alemanha. Pois a lei de cidadania alemã prevê que “um alemão que entra com pedido voluntário de uma nova nacionalidade perde seu passaporte alemão”. *
Quer dizer: a Alemanha exige fidelidade para sempre. E fidelidade para ela significa ficar com um passaporte só. Será que meu país desconhece a alma humana? Já Goethe sabia e dizia: “Duas almas habitam no meu peito”. E isso é até pouco. Tem gente com mais passaportes na mão do que almas no coração.
É uma situação no mínimo estranha. Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mais de 3,4 milhões de alemães moram no exterior, descobrem uma nova cultura e tentam manter suas raízes; mas, ao mesmo tempo, são desencorajados de assumir a nova terra como nova pátria.
Kommentarbild Astrid Prange (DW/P. Böll)
Astrid Prange
Graças à União Europeia, esse rigor alemão já foi amenizado. O coração da Europa é grande! Pelo menos os alemães que querem pedir uma cidadania de um país da Comunidade Europeia ou da Suíça não precisam mais entregar o seu passaporte alemão.
E os alemães com vínculos com o Brasil? Eles podem pedir uma autorização para manter a cidadania original. A palavra “pedido” nesse contexto é importante. Pois a autorização para manter a cidadania alemã e ao mesmo tempo adquirir um passaporte brasileiro não é um direito, mas uma espécie de concessão individual.
Para ter essa autorização, o requerente tem que provar que continua tendo vínculos muito fortes com a Alemanha que justificariam a manutenção da cidadania. Além disso, ele teria que explicar quais seriam as desvantagens evitadas e as vantagens da nova cidadania.
Tudo bem. Nada contra uma boa reflexão sobre identidade cultural, nacional e emocional nesses tempos de globalização. E sobre os direitos e deveres de um cidadão na Alemanha, no Brasil e neste mundo globalizado. Além disso, saber das próprias origens e raízes e cultivá-las é fundamental para não perder o rumo na vida.
Agora, se as minhas filhas, que nasceram no Brasil, e o meu marido, que pediu o passaporte alemão, lidam e vivem bem com as duas cidadanias, porque eu então sou suspeita de não ser capaz disso? Por que a Alemanha é tão exigente com os seus próprios cidadãos? Por que ela dá uma oportunidade aos estrangeiros na Alemanha que ela nega aos próprios alemães? E tudo isso numa época em que não se fala de outra coisa, senão integração.
Esse rigor, para mim, parece um anacronismo. Afinal, o exemplo do Brasil mostra que um país que deixa os seus cidadãos livres para adquirir uma nova cidadania não perde. A identidade dos brasileiros não diminui com o número de passaportes que se tem. Ao contrário: parece que a força da identidade brasileira se alimenta do reconhecimento de que cada cidadão pode ter origens diferentes.
Essa experiência típica de um país de imigração falta à Alemanha. Apesar de ter vivido várias ondas migratórias desde o fim da Segunda Guerra Mundial, só recentemente reconheceu, com muita relutância, esse desenvolvimento.
Ah… quanto a minha pátria poderia aprender com a liberdade e leveza brasileira nesse ponto! Chega de sofrimento, repreensão e castigo! Deixem as almas baterem livremente no peito e abraçar o mundo. O verdadeiro amor à pátria é livre e muito maior que a lei da cidadania alemã!
Astrid Prange de Oliveira foi para o Rio de Janeiro solteira. De lá, escreveu por oito anos para o diário taz de Berlim e outros jornais e rádios. Voltou à Alemanha com uma família carioca e, por isso, considera o Rio sua segunda casa. Hoje ela escreve sobre o Brasil e a América Latina para a Deutsche Welle.
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