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“A democracia não se defende sozinha”

Eleições 2018

Historiador americano Timothy Snyder, especialista em autoritarismo, vê com preocupação cenário no Brasil e diz que só realização de eleições não significa que candidatos e eleitores serão inclinados à democracia.

Professor da Universidade de Yale (EUA) e autor de livros sobre autoritarismo, o historiador americano Timothy Snyder vê com preocupação o cenário politico no Brasil antes das eleições presidenciais. Em entrevista à DW, ele diz que que a democracia não se defende sozinha e que candidatos e eleições são apenas parte do processo democrático.

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“Há um tipo de fantasia bastante difundida de que, se o governo civil é corrupto, haveria alguma maneira de obter a pureza por meio dos militares”, comenta o renomado historiador.

Snyder recebeu diversas distinções, incluindo o Prêmio Hannah Arendt em Pensamento Político. Ele é autor do bestseller Sobre a tirania – 20 lições do século 20 para o presente, uma análise de como os EUA poderiam evitar uma guinada ao autoritarismo na atualidade, e The road to unfreedom (o caminho para a falta de liberdade, em tradução livre), no qual comenta a ascensão do autoritarismo em Rússia, Europa e Estados Unidos.

DW Brasil: Jair Bolsonaro lidera as pesquisas de intenção de votos para presidente. Entre outras polêmicas, ele fez comentários em apoio à brutalidade policial e elogiou torturadores. O que o fato de um candidato com esse perfil ter chances de vitória significa para a democracia brasileira?

Timothy D. Snyder: O início da resposta para essa pergunta é que a democracia não se defende sozinha. Só porque há eleições democráticas, não significa que candidatos e eleitores serão inclinados à democracia. Eleições democráticas fazem parte de um projeto muito maior de construção de um Estado pluralista, individualista e de Direito. Quando partes desse projeto começam a desmoronar, passamos a ver isso em candidaturas e na eleição deste tipo de indivíduos.

Antes de sofrer um atentado, Bolsonaro foi criticado por dizer “vamos fuzilar a petralhada” em comício no Acre. No início deste ano, um ônibus da caravana do ex-presidente Lula foi alvejado por tiros. Quão preocupante são esses casos de violência política?

É extremamente preocupante porque um dos propósitos fundamentais das leis é evitar a violência. E um dos propósitos básicos dos partidos políticos é canalizar o interesse das pessoas de tal maneira que elas não resolvam suas diferenças com violência. Outro problema é que a violência tem uma forma de levar a mais violência. Mesmo pequenos atos de violência podem levar a maiores atos de violência.

General Mourão, candidato a vice-presidente de Bolsonaro, admitiu que as Forças Armadas poderiam apoiar um “autogolpe” na hipótese de “anarquia”. Autoridades militares de alto escalão sugeriram a um colunista do jornal “O Estado de S. Paulo” a possibilidade de um golpe caso Lula fosse libertado ou se a Lei da Anistia fosse revisada. Como o senhor analisa essas declarações?

As possibilidades mencionadas são bem sombrias. Sem enfatizar no contexto brasileiro, a base da ordem constitucional é que a violência é controlada pelo Estado e apenas executada de acordo com a lei. Assim que isso é questionado, entra-se em um território muito perigoso. A ideia de que as Forças Armadas deveriam decidir quem governará ou não o país é um passo em direção a um tipo diferente de sistema, porque ao se fazer isso uma vez, isso vai acontecer de novo, e de novo. Outro problema é que, uma vez que as Forças Armadas decidam que podem escolher o comandante do país, se perceberá que diferentes partes da instituição têm diferentes candidatos. Imaginar as Forças Armadas [fazendo isso] é pensar em uma situação na qual o Estado de Direito não funciona mais. É abrir caminho para um futuro em que é muito difícil recuperar esse Estado de Direito porque a história, não apenas da América Latina, mostra muito bem que golpes militares tendem a levar a mais golpes militares. Eles criam a percepção de possibilidade, que é muito difícil de se dissolver.

Além de candidatos com perfil autoritário, o Brasil experimentou pedidos por intervenção militar. O que pode explicar essa busca por saídas não democráticas?

Não posso explicar o porquê de os brasileiros estarem agindo desta forma, pois não estou no Brasil. Mas posso dizer que as pessoas perdem a paciência quando acreditam que há imprevisibilidade e quando acham que aqueles no topo estão representando algo além da população. E o Brasil não é o único exemplo disso. Contudo, a noção de que toda a elite política é corrupta é muito incapacitante. Porque então as pessoas começam a pensar: se todo mundo é corrupto, o sistema deve ser corrupto. E, portanto, temos que encontrar algo limpo, o que na imaginação de muitos é a polícia ou as Forças Armadas. É claro que a polícia e as Forças Armadas não são mais puros do que o resto. Eles simplesmente parecem ser porque não estão no poder. Se analisarmos pesquisas de opinião nos EUA sobre quais instituições não são corruptas, o Congresso vai muito mal, e as Forças Armadas vão muito bem. Creio que há um tipo de fantasia bastante difundida de que, se o governo civil é corrupto, haveria alguma maneira de obter a pureza por meio dos militares. Obviamente, isso não é verdade, conforme se descobre no dia seguinte a um golpe militar.

Qual a melhor maneira de dialogar com apoiadores de candidatos autoritários?

Há três considerações. A primeira é que se você está à esquerda ou na oposição, é muito importante não pensar “nós somos apenas a oposição”, “estamos apenas nas sombras”. É preciso pensar que se é parte do país. Esse nível de confiança é muito relevante, porque uma das maneiras pelas quais se chega ao autoritarismo de direita é que a esquerda perde a confiança. O segundo ponto é fazer algo no mundo real e não pela internet. Ninguém consegue persuadir os outros pela internet. O terceiro aspecto é que, se essas conversas funcionam, não é por meio de confrontação. Mas quando se pergunta o que o outro acha que está errado e quais são as coisas com as quais ambos se preocupam. O mais importante nessas conversas é reconhecer que o outro é um ser humano. Porque do ponto de vista de um aspirante a ditador de direita, a ideia é convencer seus seguidores de que os outros não fazem parte do país, que são intrusos. A conversa é um sucesso se acontecer, mesmo que não se convença alguém a mudar o voto.

O que o senhor diria aos milhares de brasileiros que estão pensando em quem não votar em vez de escolher um candidato?

Às vezes, essas eleições em que os candidatos não são ideais acabam sendo as mais importantes. Há uma enorme quantidade de americanos que lamentam não terem votado em 2016 [nas eleições presidenciais]. As pessoas disseram que ambos os candidatos eram ruins, logo, não iriam votar. E agora não gostam das consequências.