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Celebrações do fim da Primeira Guerra também têm viés político

França organiza grande festividade pelo centenário do fim do
grande conflito, com presença de alemães.
Já britânicos fazem a própria festa.
Pano de fundo são similaridades entre hoje e os anos 1920,
dizem especialistas.

Exatamente às 10h59 de 11 de novembro de 1918, portanto um minuto antes de entrar em vigor o armistício que deu fim à Primeira Guerra Mundial, o soldado americano Henry Nicholas Gunther avançou em direção a um bloqueio de metralhadoras, na região de Lorena, e foi abatido pelos alemães.

Gunther foi o último de cerca de 10 milhões de militares mortos no conflito, assim como outros milhões de vítimas civis. Cem anos depois, os antigos Estados protagonistas homenageiam os mortos da “Grande Guerra”, como ela é conhecida na França e no Reino Unido.

Para esses dois países, ela tem, desde então, um significado maior do que para a Alemanha, na qual a catástrofe moral da Segunda Guerra Mundial e do Holocausto estão inegavelmente em primeiro plano. Por ocasião do centenário, o presidente da França, Emmanuel Macron, tomou a iniciativa de colocar seu país no centro das festividades internacionais.

Já em 10 de novembro, Macron se encontrará com a chanceler federal alemã, Angela Merkel, para uma breve cerimônia em Compiègne, ao norte de Paris, um local de duplo significado histórico.

Lá, num vagão de trem, foi firmado, em 11 de novembro de 1918, o armistício entre as potências ocidentais e o Império Alemão. E 22 anos mais tarde, depois da invasão da França pelos nazistas, Adolf Hitler forçou os líderes militares do país a assinarem a capitulação – precisamente no mesmo vagão, no mesmo local.

Nos passos de Kohl e Mitterrand

Contudo o atual governo francês quer recordar algo mais: “Vamos seguir os passos de Helmut Kohl e François Mitterrand em 1984, em Verdun”, divulgou o Palácio do Eliseu. Na ocasião, o então chefe de governo alemão e o presidente francês deram-se as mãos num cemitério militar, um gesto de reconciliação que teve repercussão mundial.

Em 2018, o ponto alto será uma grande cerimônia solene no Arco do Triunfo de Paris, para a qual Macron convidou os chefes de Estado e governo de 80 países direta ou indiretamente envolvidos na Primeira Guerra, inclusive os presidentes dos Estados Unidos e da Rússia.

No entanto, Donald Trump e Vladimir Putin se desentenderam sobre o tratado de desarmamento de mísseis nucleares de médio alcance INF, que o americano ameaça abandonar. O presidente francês tem a esperança de que ambos aproveitem a cerimônia para um diálogo talvez ainda capaz de salvar o tratado.

Palco para Macron

Segundo o historiador francês Etienne François, a faustosa festividade é uma questão de prestígio para Macron, cuja popularidade caiu significativamente e cujos planos de reforma da União Europeia encontraram resistência.

Mas, além de “por algumas horas, voltar a parecer ser o centro do mundo”, o presidente também tentará dar sua contribuição “para que saiamos do beco sem saída em que nos encontramos, na Europa e em todo o mundo”, ressalva François.

No Fórum para a Paz de três dias, às margens da grande cerimônia em Paris, Merkel e o secretário-geral da ONU, António Guterres, vão se encarregar dos discursos de abertura. Além de políticos, o evento reunirá organizações internacionais e intelectuais para incentivar o multilateralismo, na contramão dos esforços de Trump e Putin.

De resto, os alemães marcam forte presença nas comemorações do fim da Primeira Guerra. Já em 4 de novembro, o presidente Frank-Walter Steinmeier participara de um “Concerto da Amizade Franco-Alemã” em Estrasburgo, na Alsácia, região que foi alemã entre 1871 e 1918, antes de retornar à França.

Alemães evitam comemorações de caráter nacional

O Reino Unido, por sua vez, se recusa a ser apenas mais um participante das celebrações dominadas pelos franceses, fazendo questão de uma cerimônia própria. Apesar de considerar o fato “perfeitamente normal”, Etienne François não deixa de comentar ironicamente que, independente do iminente Brexit, os britânicos “sempre estiveram convencidos de que são únicos”.

Mas também Londres estende a mão para os alemães. Steinmeier será o primeiro chefe de Estado alemão a participar da deposição da coroa de flores no memorial de guerra Cenotaph, na capital inglesa. Segundo comunicado da premiê Theresa May, será “um ato histórico de reconciliação, em que homenagearemos todos os soldados caídos e expressaremos nossa gratidão pela paz”.

Mas nem todos na ilha estão de acordo. Já de antemão, o tabloide The Sun alegou temer que a presença do presidente da Alemanha venha desencadear um “clamor de protesto entre os veteranos”. Até o momento, a previsão não se concretizou.

Steinmeier em Londres e Estrasburgo, Merkel em Paris e Compiègne: na opinião do historiador Jörn Leonhard, os alemães procuram mostrar, acima de tudo, seu respaldo ao projeto europeu. Procura-se evitar qualquer impressão de que haja uma comemoração especificamente alemã, “pelo medo de que isso possa abrir a caixa de Pandora”.

Entre esses temores está a questão de se o Tratado de Paz de Versalhes, após a Primeira Guerra Mundial, não terá sobrecarregado excessivamente a jovem República de Weimar, contribuindo assim para seu fracasso. Por mais que isso seja compreensível do ponto de vista político, Leonhard acha que a Alemanha está lidando de forma “extremamente defensiva” com a experiência nacional do fim do conflito.

Perigo da falsa segurança

No antigo palco de combates Ypern, na Bélgica, os bispos europeus já recordaram as vítimas da Primeira Guerra. O de Essen, Franz-Josef Overbeck, que também é bispo militar católico, ressaltou o perigo de minimizar conflitos bélicos e crer-se em “segurança enganosa”. “Nacionalismo e populismo voltam a se inflamar, e o entusiasmo pelo projeto europeu desaparece”, advertiu. Segundo ele, a paz está “novamente ameaçada”.

Uma outra festividade talvez seja um exemplo daquilo que os bispos veem com apreensão. Para a Polônia, o fim da Primeira Guerra Mundial foi, acima de tudo, o renascimento de um Estado polonês. Mas a comemoração do centenário atrai igualmente extremistas de direita.

As autoridades polonesas partem do princípio de que adeptos da organização neonazista internacional Blood and Honour vão participar da marcha do Dia da Independência em Varsóvia. Em 2017, 60 mil integrantes dessa organização direitista estiveram presente na tradicional passeata.
Segundo Etienne François, as cerimônias pelo fim do grande conflito na França e em outros locais se distinguem sobretudo pela relação com os alemães: enquanto no primeiro caso os eventos transcorrem “sob o lema da reconciliação franco-alemã”, na Polônia e outros países a intenção é festejar “principalmente sozinho”.

A história se repete?

Alguns líderes políticos veem paralelos entre o atual nacionalismo e populismo de direita e o início do século 20. François compara a situação com a da Europa nos anos 1920, “quando havia esforços para reconfigurar uma Europa pacífica, mas também já havia fortes correntes contrárias”.

Essas correntes, entretanto, só se fizeram sentir a partir da crise econômica mundial de 1929. Receando uma crise comparável “nos próximos dez anos”, o historiador francês se interroga: “Como os países europeus vão reagir? Eles ainda terão coesão suficiente para debelar essa crise?”

Por isso, Etienne François espera das celebrações de 11 de novembro, acima de tudo, um fortalecimento “da consciência de que nós, europeus, temos similaridades, apesar de todas as diferenças, e que vale a pena construir um futuro sobre essas similaridades”.